quarta-feira, 24 de março de 2010

Era uma vez uma menininha, essa menininha era uma dançarina... na verdade ela não era uma dançarina ainda, mas ela acreditava que era, então ela era. Acreditava toda vez que se olhava no espelho e criava a música, criava a roupa, criava o palco, criava o público.

Essa garota cresceu e começou a estudar, continuou a dançar. Estudava o seu corpo, dançava sua alma, estudava os seus movimentos e dançava os suas emoções, seus medos, alegrias e paixões.

Numa contínua sede para saber quem era e pra onde ia, descobriu que seu corpo falava, que dizia o que sentia, do que gostava e do que desgostava e ela começou a ouvi-lo. Percebeu que o corpo era sábio, sempre que ela o seguia uma sensação boa vinha em seguida. De tanto ouvir o corpo, o coração que vivia quietinho, por que já tinha gritado muito sem ser ouvido arriscou a falar de novo. O coração era mais sábio ainda e quando falou, ela ouviu. Nesse momento ele bateu mais forte do que nunca, e começou a guiar a moça... E enquanto o corpo a guiava pelo mundo que dá pra ver com os olhos, o coração guiava naquela dimensão que os olhos não vem.

O corpo e o coração, no entanto, não eram os únicos que falavam, existia outra voz, aquela que ligava o corpo ao coração e que nesse intermédio também falava, ora com um ora com o outro. A voz da mente era a mais lógica e racional, ela se valia das ferramentas do corpo e das do coração, um pouco de cada... E por isso era muito poderosa e conseguia aquilo que quisesse...

Utilizando esse belo time ao seu favor, um dia a mulher descobriu um segredo: que era feita de 5 elementos... Fogo... Água... Ar... Terra... E um outro que não era nenhum dos quatro, mas que ela já sabia o que era. Se deu conta do espaço e do tempo e do som e passou a utiliza-los a seu favor...

Aprendeu a dominar os 5 elementos em sua danças e assim fazia seu corpo fazia o extraordinário; ordenava que seu quadril se movesse e ele sinuosamente acordava, espargindo seu movimento por toda a coluna, braços, cabeça, olhos...

Se lembrou do movimento que fazia para o bebê sair de seu ventre, sem nunca ter engravidado antes e percebeu que era deliciosamente o movimento oposto ao que fazia pra um dia ter colocado um bebe ali...

E assim se deu conta que sua dança nada mais era do que a história da vida e que nada do que fazia brotava do vazio, mas sim, traduzia em arte o pulsar de todo o universo que ela sentia dentro de si, e que se conectava com o todo, a natureza falando através de si...

E quando ela dançava não era mais um ser humano, e não estava mais no tempo espaço. Se conectava com todas as gerações de mulheres que haviam existido antes dela, e se lembrava de todos os movimentos, olhares, sorrisos e segredos que só às mulheres foi permitido sentir...

Nessa dança não existia corpo, somente energia, somente eletricidade e magnetismo, que brotava de uma fonte infinita localizada na base de sua coluna e que através de suas ondulações essa energia acordava e sincronizava perfeitamente matéria, coração e mente.

Ritmo, harmonia, controle, fluidez, ornamentos e testemunhas: o templo delicadamente preparado. A Deusa nesse momento percebeu que a evocavam e nesse instante o ritual aconteceu.

A menininha, a garota, a moça e a mulher perceberam nesse momento que haviam cumprido sua missão e retiraram daquele momento a energia que sabiam ser necessária para que o templo continuasse vivo.

Voltou a si, agradeceu e misteriosamente saiu, deixando entre as testemunhas, novos devotos, alguns incrédulos e outros hipnotizados por seu poder. Sabiam que algo sagrado havia acontecido ali.

4 comentários:

  1. Belo texto. Talvez uma reciclagem de outros textos ainda nem escritos mas pensados ou sentidos. Como você mesma sugere no intertexto desse aqui.

    Gosto dessa maneira "fabular" que você sempre enfeitiça o leitor. Sabemos que estamos lendo algo muito pessoal mas, ao mesmo tempo, sua escrita é generosa e dá a possibilidade de um caminhar por um imaginário.

    É bom lê-la pois, de certa forma e talvez por outras conexões das quais não controlamos ou pouco sabemos (sincronicidades?), parece que escrevo junto através de sua "ânima".

    Beijos e parabéns sempre.

    Lu, o pai.

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  2. Que texto magnifico!Continue sempre a ser inspirada pela dança.
    Bjos

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  3. "Sabiam que algo sagrado havia acontecido ali."

    Lindo!!!

    Mesmo sendo uma principante, já percebi uma coisa: o que quer que a gente procure na dança, ela funciona como um caminho para o autoconhecimento, e a maneira como essa consciência de si mesmo brota e canta em cada um é única e instransferível.

    Adorei ler sobre a experiência de dançar como um ritual, não para uma divindade específica, mas para tudo o que há de sagrado no universo. Sem necessidade de palavras.

    Obrigada por trazer isso pra gente!

    Beijão...

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